Meu Deus, me dê cinco anos; me dá a mão, me cura de ser grande!



domingo, 25 de dezembro de 2011

—O que tenho, senhor?
—Fale!
—Qual o remédio, senhora?
(Silêncio)
—O que devo fazer?
(Corte)
—Quanto tempo vai demorar?
—Continue.
A resposta do psicanalista se diferencia da ciência por levar em consideração o sujeito do desejo que esta rejeita; se diferencia da religião e suas práticas por não ceder à crença num Outro que não existe assim como ao Um ditatorial das massas e seitas; se opõe à resposta do capitalista porque não foraclui, como este, a falta. Ao contrário, o analista, ao ocupar a posição de rebotalho que é própria da sua ética, faz valer as questões tanto do mal-estar do sujeito sofredor quanto do mal-estar da civilização. A isso, Freud responde: “caminhe!”, “fale!”. No lugar de responder às demandas e aspirações do ser–para-o-sexo, o psicanalista faz valer o “eu te peço que não respondas à minha demanda, porque não é isso” (Lacan, “Ou pior...”, 09/02/72).

Freud diagnostica no início do século XX o mal-estar da civilização como renúncia ao gozo sexual; Lacan, no final do século passado, o aponta como resultado do laço social dominante que é o discurso do capitalista e sua foraclusão da castração. Resultado: somos todos proletários diante do capital. Mas hoje, nossa sociedade de consumidores, microcréditos, microempresas, microcéfalos é a expressão da “civilização de metas”. Resultado: todos empresários! Eis o imperativo do supereu que transforma nossas vidas em olimpíadas, matando quem está na frente e acenando com medalhas de chocolate e louros de plástico. Ao vencedor: as batatas! (Machado de Assis, Quincas Borba, 1892).

Quais são as formas de retorno da castração foracluída? A generalização da falta-a-gozar concomitante ao empuxo ao gozo tem efeitos no sujeito individual que não se distingue do sujeito coletivo, conforme Freud, em 1921. Quais as respostas do analista orientado pela ética do desejo e do bem-dizer? A psicanálise denuncia os novos semblantes do sintoma demonstrando que sua estrutura permanece a mesma. Por ser tecido de linguagem ele é sensível à palavra, por condensar um gozo ele é reduzido pelo ato analítico. A responsabilidade do analista implica no acolhimento do sintoma e na sustentação do tratamento possível do gozo do sofrimento. Fundamentado em uma ética anticapitalista, o psicanalista desmascara os semblantes do social com os quais se travestem os discursos da dominação: os gadgets como objetos de desejo, os corpos-mercadorias, os novos produtos sólidos no lugar da fluidez dos laços, as intermináveis respostas às demandas e aspirações do ser–para-o-sexo, as violentas investidas racistas de segregação da diferença.

Opondo-se ao main stream, sem ser passadista, o psicanalista não se alia à ciência e ao capital foraclusivos que fazem crer no delírio generalizado – do somos todos Um – e nas “novas” descobertas do homem neuronal. O discurso do psicanalista é o avesso disso, fazendo dele cúmplice do negro de todas as raças (Heiner Müller). O analista se alia ao artista com seu tour de force de poesia que desvela o não-sentido de todas as coisas, os sentidos religiosos prêt-à-porter e que o sentido é dado pelo desejo de cada um.

O adulto permancece o filho do homem: a psicanálise mostra que ao criançar-se nas palavras o homem as cria com o que poetisa sua singularidade. O que não quer dizer que a psicanálise pretende uma saída individualista. Não há sujeito sem outro, diz Lacan. E sempre haverá um outro, com sua diferença e sua forma de gozo. À cloaca máxima da civilização (conforme a conferência de Lacan em 1973, no MIT), que suga o ser de sua morada de linguagem, o analista com sua clínica, em seu ato e sua interpretação, desvela a castração como constituinte de todo ser falante e o sem-razão de um Outro gozo, que é sempre diferente. E norteado pela lógica da heteridade, aponta a abertura ao novo e para a chegança sempre surpreendente do outro.

Antonio Quinet e Sonia Alberti

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


...que o amor nunca morra... que ele circule! Há tantas formas de dar e receber amor, não é mesmo? Mas se, só por acaso, o amor acabar morrendo, que a gente encontre maneiras de fazê-lo renascer dentro das infinitas possibilidades que a vida nos dá.

"O amor nunca morre de morte natural. Añais Nin estava certa. Morre porque o matamos ou o deixamos morrer. Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre eletrocutado pela sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre sufocado pela desavença. Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa de sétimo dia. Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as lembranças deslocados. O amor não morre de velhice, em paz com a cama e com a fortuna dos dedos. Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento. O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida. O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre homicídio. A boca estará estranhamente carregada. Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos. No mínimo, merecia ser incriminado por omissão. Mas talvez eu tenha matado meus amores. Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria quando não restava alegria. Mato; não confesso e repito os rituais. Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. Durmo suando frio e disfarço que foi um pesadelo. Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o relacionamento. Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não houve testemunhas. Mato porque não tolero o contraponto. A divergência. Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades inacabadas e falhas. Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a verdade. O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao armário o que temia rever. O amor é sempre assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos saber o que fizemos antes com ela."

(Fabrício Carpinejar)

sábado, 17 de dezembro de 2011

 

Infinito desejo


Quando um ano novo se instala fazemos sempre um retrospecto e análise do que foi vivido. Selecionamos em nossas lembranças os acontecimentos que consideramos de maior importância. Algumas vezes, prevalecem na memória histórias e momentos de felicidade. Mas nem sempre é assim. Quando o histórico do ano que passou é feito de tristezas, nos vemos perdidos. É neste momento que devemos deixar que o sentimento de esperança fale mais alto, acreditando que virá pela frente um ano de conquistas e realizações.
O sentimento de esperança reaceso a cada começo de ano, tem uma íntima relação com a psicanálise. Esperar por algo é desejar, e o desejo é um conceito fundamental desenvolvido pela teoria psicanalítica e que aflora incessantemente no imaginário das pessoas. Desejamos saúde, amor, paz, muitas vezes desejamos desejar algo. Nossos desejos se destacam também no terreno material; desejamos uma casa, um carro, uma roupa, enfim, somos seres desejosos por essência, pois sempre falta algo pra nos completar, sempre falta algo pra nos sentirmos felizes. Se procurarmos no dicionário o significado de desejo encontraremos -ato ou efeito de desejar; aspiração humana diante de algo que corresponda ao esperado; aspiração humana de preencher um sentimento de falta ou incompletude.
Desejar vai além de necessitar, pois nossas necessidades pertencem a ordem do natural, do biológico; é como sentir fome, sentir sede. Já o desejo, é da ordem psíquica, do nosso inconsciente e está enraizado às nossas fantasias. Portanto, o desejo é próprio de humanos, já que sempre temos anseios por algo, e não nos contentamos com a satisfação do que é puramente "necessário".Mas é preciso cuidado para não estacionarmos no mundo dos desejos, deixando o tempo passar sem que nossas atitudes procurem realizações. Muitos desejam desenfreadamente, e não conseguem atingir o objetivo almejado, surgindo então o sentimento de frustração. Será que estamos preparados para lidar com o desejo e a frustração de maneira natural? Muitas pessoas conseguem superar uma expectativa ilusória, no entanto existem aquelas que acabam tomando caminhos tortos, e desviam de resoluções sadias. Nesse momento, cabe ao sujeito ter a percepção de que não está conseguindo lidar com suas frustrações e precisa pedir ajuda profissional.
Sempre estaremos a procura de algo. A busca do desejo é inesgotável, pois assim que realizamos um, já estamos prontos para desejar novamente. O psicanalista Lacan nos diz " O desejo é desejo do desejo".O que nos resta é viver em busca daquilo que no satisfaz saudavelmente, entendendo que as vezes realizaremos o que buscamos e em outros momentos, temos sim que lidar com o inesperado, mas sempre olhando o novo com expectativas e principalmente com atitudes e esperança para realizá-los...
 
* Desconheço autoria...trecho retirado do blog Freud Explica...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

“Um cara vai ao psiquiatra e diz: “Doutor, meu irmão é louco. Ele acha que é uma galinha”. O doutor diz: “Por que não o convence do contrário?” O cara diz: “É, mas eu preciso dos ovos”. Bem, acho que é o que eu acho dos relacionamentos hoje. São totalmente irracionais, loucos e absurdos. Mas continuamos neles porque a maioria de nós precisa de ovos.”

(Do filme: Annie Hall, Woody Allen)

domingo, 4 de dezembro de 2011


 
 
Todos buscamos aquela pessoa especial que é certa para nós. Mas quando já passamos por relacionamentos suficientes, começamos a desconfiar que não existe a pessoa certa, apenas gostamos das pessoas erradas. Por que é assim? Porque nós mesmos somos errados de algum modo,e buscamos parceiros errados de algum modo complementar. Mas é preciso muita vivência para crescer plenamente em nossa inadequação.... Só quando nos vemos diante de nossos demônios mais profundos - nossos problemas insolúveis, os que nos tornam verdadeiramente o que somos - estamos prontos para encontrar o parceiro de toda a vida. Só então sabemos finalmente o que estamos procurando. Vivemos à procura da pessoa errada. Mas não apenas qualquer uma: a pessoa errada certa" – alguém a quem olhamos com amor e pensamos : "Este é o problema que eu quero ter."

Epígrafe do livro "Segunda Chance", de Daniele Steell