Meu Deus, me dê cinco anos; me dá a mão, me cura de ser grande!



terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


A arte de perder

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ”
Elisabeth Bishop
Tradução de Paulo Henriques Britto

Tenho aprendido com o tempo coisas que somente com o tempo a gente começa a aprender. Que o encontro amoroso, para ser saudável, não deve implicar subtração: deve ser soma. Que há que se ter metas claras, mas, paradoxalmente, como alguém me disse um dia, liberdade é não esperar coisa alguma. Que a espontaneidade e a admiração são os adubos naturais que fazem as relações florescerem. Que olhar para o nosso medo, conversar com ele, enchê-lo de cuidado amoroso quando ele nos incomoda mais, levá-lo para passear e pegar sol, é um caminho bacana para evitar que ele nos contraia a alma. Tenho aprendido que se nos olharmos mais nos olhos uns dos outros do que temos feito, talvez possamos nos compreender melhor, sem precisar de muitas palavras. Que uma coisa vale para todo mundo: apesar do que os gestos às vezes possam aparentar dizer, cada pessoa, com mais ou menos embaraço, carrega consigo um profundo anseio por amor. E, possivelmente, andará em círculo, cruzará desertos, experimentará fomes, elegerá algozes, posará de vítima para várias fotos, pulará de uma ilusão a outra, brincará de esconde-esconde com a vida, até descobrir onde o tempo todo ele está.

Ana Jácomo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012



"A estrutura do desejo humano se caracteriza pela falta do objeto do desejo. Isto significa que não há nenhum objeto que possa satisfazer, completamente, um desejo. O que não implica que um desejo se realize. Se realiza sim, mas nunca por inteiro. Há sempre um resto que permanece insatisfeito. Além do que, como um falante poderia desejar sem criar uma certa expectativa sobre isto que deseja? Entre o esboçar de um desejo e a sua realização, há sempre uma certa decepção: É isto? Só isto? É exatamente isto. Não há verdadeiramente coisa alguma que venha estancar esta falta que dá origem a um sujeito."

(Nadiá Paulo Ferreira in: Ainda o amor. Eduerj, p. 38)
Relacionamentos e Conflitos


Maria Dilma Campo Burkle
Psicanalista

É muito comum que a base dos relacionamentos de casais estabeleça-se sobre uma distorção da realidade, sem que disso se tenha consciência. A demanda que fica é: “Não me sinto inteira (o), sou incompleta (o) enquanto pessoa”, e daí vem uma extrema necessidade de se encontrar a outra metade.
Metaforicamente, sendo metade de algo que nem sei direito o quê ou quem, o senso de identidade e auto-estima fica prejudicado. Disto resulta colocar nessa metade faltante, expectativas e exigências para dela obter a comprovação de que existo e mereço amor, segurança, felicidade, etc.
Este é o cenário no qual verdadeiros dramas acontecem, no palco chamado vida, onde todos atuam seus personagens, uma grande ficção com direção própria, produzida e enviada diretamente do inconsciente.
Às vezes rindo, outras chorando, sendo protagonista ou telespectador da história de Cinderela, adaptada ao século XXI, a situação se repete: “Se me amasse de verdade, faria tudo por mim!”. E assim, as condições são impostas e nem sempre verbalizadas. O outro até deve adivinhá-las, igual mamãe que já sabia e gratificava ou não, todos os meus desejos. Abraços, beijos, elogios, acompanhar-me nos meus interesses, afirmar e reafirmar seu amor o tempo todo.
Supondo que haja amor, sufoca com tamanhas exigências. Passa a ser tremendo encargo sobre os ombros do outro, que também tem suas próprias questões. Também o inverso costuma ocorrer: “Eu o amo, vivo para satisfazê-lo, sem ele não sobrevivo, falta o ar e o chão sobre o qual me apoio, não posso perdê-lo, portanto me anulo pois sou apenas extensão do outro”.
As configurações e interações que a dimensão emocional humana compõem, fornecem o material para infinitas criações imaginárias e, quase sempre, são atuadas em fatos reais. Todos nós reconhecemos esses conflitos. Em proporção variável, somos agentes de prazer e felicidade do outro, ou este outro acaba sendo o nosso objeto de prazer e felicidade. Revendo nossas histórias, compreendemos os porquês.
Compartilhamos a experiência de desamparo e, nesse enredo, existe a dependência de um outro que nos garanta a sobrevivência. Sendo esse outro o representante da falta que é deslocada e reeditada nas vivências emocionais atuais com nosso parceiro, a ele delegamos o papel que foi um dia o da mãe. Pobre dele e pobre de nós! Crianças brincando de serem adultas, vivendo em um mundo de “faz de conta”.